Sinistralidade imprevisível em tempos de dados abundantes

Por Flávio Lisboa, sócio e diretor de Serviços Financeiros da Falconi

Por que a sinistralidade ainda surpreende, mesmo em um setor que nunca teve tanto acesso a dados e tecnologia? Essa pergunta ecoa com frequência entre executivos e especialistas do mercado segurador. Em meio a investimentos robustos em analytics, machine learning e plataformas integradas, é difícil compreender como ainda se registram estouros de sinistros com impacto significativo nas carteiras.

Flávio Di Sabatino Guimarães Lisboa
Flávio Di Sabatino Guimarães Lisboa – 1

A contradição está em que, apesar da sofisticação dos sistemas e da abundância de informações, as decisões fundamentais nem sempre se conversam. O problema não está na falta de dados, mas na desconexão entre as áreas que os produzem, analisam e executam.

Em muitas seguradoras, pricing, subscrição, sinistros e comercial operam em silos. O pricing adota modelos estatísticos precisos, mas a subscrição pode seguir regras operacionais desconectadas desses alertas. O time de sinistros atua de forma reativa, tratando sintomas isolados sem conexão com o racional da carteira. E a área comercial, por sua vez, pressiona por metas de crescimento, muitas vezes sem considerar o impacto no risco.

O resultado é um cenário em que o risco é conhecido, mas ninguém tem o mandato, ou a governança para agir sobre ele em tempo hábil. Casos reais mostram modelos de pricing que já sinalizavam problemas em determinados segmentos, enquanto a subscrição continuava aprovando propostas, pressionada por metas e limitada por autonomia. O desfecho é sempre semelhante: aumento nos sinistros e necessidade de correções drásticas na carteira.

Outro ponto crítico é a forma como o sinistro é tratado. Em boa parte das operações, ele ainda é visto como um acaso, uma anomalia. Mas, na prática, o sinistro é a expressão final de decisões acumuladas ao longo do tempo. Produtos com incentivos desalinhados, canais que privilegiam volume em detrimento de qualidade, políticas de aceitação frouxas e processos de sinistro que ignoram padrões recorrentes são exemplos de elementos que constroem, silenciosamente, um cenário de deterioração.

A sinistralidade, nesse contexto, não é uma exceção: é um efeito sistêmico. Para enfrentá-la, é preciso encarar o risco como construção, e não como evento isolado. E isso exige maturidade organizacional.

Curiosamente, não são necessariamente as seguradoras com mais tecnologia que melhor lidam com a sinistralidade. São aquelas com estruturas capazes de interpretar os dados, conectar as pontas e reagir com agilidade.

Empresas que contam com comitês multifuncionais, KPIs compartilhados entre as áreas, modelos preditivos com influência real nas decisões, subscrição adaptativa e governança com ciclos curtos de correção conseguem agir antes que o problema se consolide. Nessas companhias, os incentivos são desenhados para premiar a qualidade da carteira, e não apenas o crescimento. E o sinistro deixa de ser uma surpresa porque há um entendimento claro de que ele reflete escolhas feitas ao longo do tempo.

A virada de chave ocorre quando a organização para de perguntar “por que isso aconteceu?” e começa a se perguntar “que decisões tornaram esse risco previsível?”. Sinistralidade não é apenas um número a ser controlado. É um retrato das decisões que moldaram a carteira e da capacidade da empresa de responder aos sinais antes que se transformem em perdas concretas.

Em um mercado cada vez mais orientado por dados, a vantagem competitiva estará em quem souber conectar informação a ação, com clareza, rapidez e alinhamento estratégico.

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