O seguro aeronáutico e o elevado risco nas alturas

Seguro, em que a maior exposição não é o custo da aeronave e, sim, a responsabilidade civil da empresa que transporta vidas, contribui com a prevenção de acidentes no setor de aviação
Carol Rodrigues

Augustin Escobar, executivo da Siemens, sua esposa, os três filhos, além do piloto, morreram na queda de uma aeronave no rio Hudson, em Nova Iorque, em abril deste ano.

Também este ano, mas em fevereiro, um avião de pequeno porte caiu na Avenida Marquês de São Vicente, na Barra Funda, em São Paulo. As duas pessoas que estavam a bordo morreram.

Os dois casos mostram a letalidade dos acidentes aéreos. Em 2024 foram registrados 175 acidentes aéreos em todo o Brasil, de acordo com dados do Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Sipaer) ligado à Força Aérea Brasileira (FAB), que mataram 153 pessoas.

O órgão que investiga esses acidentes é o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), também vinculado à FAB.

Luiz Eduardo Moreira, CEO da Vokan Seguros

Quando ocorre um acidente, o principal a ser feito neste momento delicado é o apoio incondicional aos envolvidos (segurado, familiares, entre outros) e a dedicação para que tudo seja resolvido dentro do menor tempo possível, segundo Luiz Eduardo Moreira, CEO da Vokan Seguros.

“Nosso setor de sinistros funciona 24/7 e eu, como CEO, me envolvo pessoalmente em todos os casos por entender que esse é o momento que a Vokan entrega, de fato, tudo que vende e agrega maior valor aos nossos segurados, colocando em prática todo nosso expertise e conhecimento para que o processo ocorra da melhor forma possível”, ressalta o CEO da Vokan Seguros, corretora boutique especializada no segmento de seguro aeronáutico que nasceu em 2013 e já figura entre os principais players do segmento.

De acordo com ele, hoje, pelo grande número de aeronaves seguradas, a corretora registra, em média, 60 sinistros aeronáuticos por ano, desde incidentes menores até acidentes com vítimas.

De acordo com dados do Cenipa, a média de acidentes anuais entre 2015 e 2024 foi de 141,9, com um aumento para 175 acidentes em 2024, o que representa um acréscimo de 23% em relação à média do período.

Na visão do CEO da Vokan, o número de acidentes não aumentou proporcionalmente ao aumento de aeronaves. “A frota aumentou e o que aconteceu foram alguns acidentes em sequência que foram noticiados pela mídia de forma que esse assunto ficou muito falado.

Muitas pessoas que não são da aviação, deram palpites e criaram um medo que não existe.

A aviação é o meio de transporte mais seguro do mundo, longe do segundo colocado”, analisa.

Atualmente, todas as seguradoras, não só as que trabalham com aviação, adquirem proteção de seguro com as resseguradoras, ou seja, emite a apólice, mas o risco que estão assumindo é sempre muito pequeno. O risco total é dividido entre as seguradoras e as resseguradoras. Assim, cada uma assume uma pequena parte do risco para minimizar prejuízos.

A trajetória do seguro aeronáutico no Brasil acompanha o desenvolvimento da aviação no País.

Tanto a aviação comercial como a executiva gera aprendizados com os acidentes. Prova disso é um artigo da Revista Conexão Sipaer, publicação científica do Cenipa, que reconhece a importância do seguro aeronáutico como estratégia de prevenção de acidentes.

“No que se refere às atividades do Sistema Nacional de Seguros Privados (SNSP), constatou-se que, embora seus objetivos sejam diferentes dos preconizados pelo Sipaer, as informações produzidas pelas atividades de subscrição e de regulação de um sinistro são relevantes para a segurança de voo e podem ser utilizadas pelo Cenipa na sua atividade de prevenção de acidentes aeronáuticos, tanto no modo reativo, quanto na abordagem proativa”.

Coberturas: RETA e LUC

O seguro RETA é obrigatório e tem limites padronizados que não variam conforme a seguradora contratada. A indenização é em torno de R$ 107 mil por assento, e R$ 110 mil para danos a terceiros em solo. Há também o seguro LUC, de responsabilidade civil a terceiros, que não é obrigatório.

“Ele é complementar ao RETA, e aqui o segurado estipula qual limite ele quer contratar. Há casos de clientes que têm uma apólice de US$ 500 milhões, por exemplo. O LUC geralmente é contratado em conjunto ao seguro Casco, que é o que cobre a aeronave em si, os danos físicos que ela venha sofrer em um eventual acidente”, expõe o CEO da Vokan.

Ele ainda explica que tanto o seguro RETA quanto o LUC são seguros de responsabilidade civil. “O RETA é pago automaticamente de forma rápida após a obtenção de todos os documentos necessários. O LUC envolve um advogado determinado pela seguradora que irá apoiar no desenho de um acordo entre as partes para pagamento da indenização”, diferencia.

Denis Maelaro, diretor de P&C e Specialties da AXA

O seguro aeronáutico da AXA tem ofertas de coberturas adequadas a cada demanda de risco, com coberturas flexíveis e ampla capacidade de personalização, atuando globalmente, com suporte ao cliente em diversos lugares do mundo. “Ele funciona de forma prática, oferecendo proteção patrimonial de aeronaves, responsabilidade civil perante terceiros, pessoas e bens em solo. Também temos a possibilidade de contratação de coberturas opcionais, como busca e salvamento, casco guerra, peças sobressalentes, despesas com aeronave substituta, entre outras, para além de um suporte ativo da área de sinistros. Temos uma linha abrangente para que os corretores de seguros possam conquistar proprietários, operadores e empresas especializadas na indústria aeroespacial”, descreve Denis Maelaro, diretor de P&C e Specialties da AXA.

Vinicius Anderaos, head de Aviation da ASAS

Desde que foi fundada em 2015, a MGA ASAS se dedica à subscrição de riscos aeronáuticos, tanto na distribuição quanto na comercialização de produtos específicos dessa área. “O setor aeronáutico, por ser um mercado mais nichado, conta com uma atuação limitada de corretores focados e poucas seguradoras oferecendo soluções específicas. A ASAS tem sido pioneira ao atuar diretamente nesse segmento, preenchendo essa lacuna e contribuindo para o crescimento e fortalecimento do mercado de seguros aeronáuticos no Brasil. Além disso, a empresa se destaca ao oferecer suporte especializado aos corretores parceiros, incluindo o atendimento ao mercado de drones, ampliando o acesso a produtos inovadores e especializados”, descreve Vinicius Anderaos, head de Aviation da ASAS.

Mercado em ascensão

No Brasil, a aviação executiva tem registrado crescimento desde a pandemia causada pela Covid-19. Um levantamento feito pela Associação Brasileira de Aviação Geral (Abag) mostra que em dezembro passado o País tinha 10.632 aeronaves em operação, entre jatos, turboélices e helicópteros, usados para a aviação geral, de negócios, táxi-aéreo, entre outras. No mesmo período em 2023, eram 9.989 aeronaves.

“Esse mercado cresceu durante a pandemia e continua a crescer, e isso tem justificativa. Quando os aviões comerciais não podiam voar durante a crise sanitária, os aviões particulares e de táxi-aéreo não tinham restrições. Quem precisava voar, fosse a lazer ou negócios, estava liberado. E muitas pessoas perceberam a facilidade, o conforto e a agilidade que a aviação executiva oferece. A nossa expectativa é que o mercado continue aquecido. Nos últimos quatro anos tivemos uma entrada de em torno de 400 aeronaves novas no País por ano e, portanto, nossa frota vem crescendo significativamente. Ainda existem modelos de aeronaves com fila de espera de até dois anos. Portanto, o mercado seguirá com essa tendência de crescimento”, analisa o CEO da Vokan Seguros.

“O Brasil possui a segunda maior frota de aeronaves da aviação geral no mundo. O reflexo do aumento de compra e venda de aeronaves particulares, em especial no Nordeste, Sudeste e Centro Oeste do País, é impulsionado por setores como o agronegócio e pela recuperação econômica pós-pandemia”, explica Maelaro.

O comportamento do mercado também mudou. Maelaro lembra que sempre houve uma concentração de volume de pedidos de cotação no segundo semestre, mas desde 2024 a AXA tem percebido que pouco se nota a diferença entre semestres, com uma boa frequência durante o ano todo.

“Nesse começo de 2025, temos mantido um movimento acelerado. Para os produtos de Casco e Responsabilidade Civil (Aeronave), Responsabilidade Civil Hangar e Operações Aeroportuárias, temos recebido uma média de 15 pedidos de cotação por dia. Pode não parecer muito considerando outras linhas como o Auto, mas para um ramo tão específico, que necessita de uma análise técnica e comercial especializada, trata-se de um volume relevante”.

Para o head de Aviation da ASAS, atualmente há a escassez de aeronaves usadas disponíveis para venda, o que tem levado operadores e investidores a buscar alternativas, como a importação de aeronaves, mesmo que não sejam novas, para suprir a alta demanda do setor.

“Esse movimento resultou em um aumento significativo no volume de traslados de aeronaves para o Brasil. Além disso, a valorização do dólar tem incentivado muitos investidores a adquirir aeronaves como uma forma de proteção patrimonial e uma estratégia de dolarização de ativos, o que reforça a resiliência do setor. Em conjunto, esses fatores mostram a dinâmica crescente e a busca contínua por soluções que atendam às necessidades de um mercado em constante evolução”.

Impactos no segmento

“O seguro, por ser baseado no princípio do mutualismo, sofre diretamente os impactos do aumento dos acidentes aeronáuticos, tanto no Brasil quanto no exterior. Exemplos como os acidentes da Passaredo no Brasil e da American Airlines nos EUA podem pressionar os resseguradores, afetando a precificação e a aceitação de riscos pelas seguradoras. Isso pode resultar na adoção de critérios mais rigorosos, como a restrição na aceitação de determinados perfis de risco. Fatores como a experiência dos pilotos e o tipo de operação das aeronaves tornam-se cruciais na análise e definição das condições de seguro, buscando equilibrar o mercado e garantir maior previsibilidade para o setor”, explica Anderaos.

Ele observa que o setor está sendo impactado ao redor do mundo, especialmente no seguro aeronáutico, principalmente por prejuízos decorrentes da guerra entre Ucrânia e Rússia. “O impacto desse conflito é estimado em US$ 25 bilhões para o setor.

Especificamente nos seguros aeronáuticos, não é o caso de um aumento do custo, mas na quantidade de indenizações pagas, e isso pode gerar um reajuste no futuro. O mercado é dinâmico e sofre influência global”.

Inclusive, para o diretor da AXA, o seguro aeronáutico enfrenta desafios derivados de influências geopolíticas, conflitos nacionais e internacionais, acidentes e incidentes em qualquer região do planeta, entre outras situações.

“Comumente, possui exposição de valores bastante altos, e eventuais sinistros podem estar sujeitos a longos processos na esfera judicial, com o envolvimento de terceiros de outros países em alguns casos. Em resumo, um grande desafio do seguro aeronáutico é, sem dúvidas, garantir que as taxas e prêmios aplicáveis sejam suficientes para manter uma carteira sólida capaz de renovar as apólices e continuar a oferecer soluções aos seus clientes. É importante que o corretor de seguros apoie o segurado/operador na busca por mercados de seguro e resseguro que tenham essa solidez financeira a longo prazo, com produtos e condições de cobertura que atendam as necessidades dos seus clientes”, ressalta Maelaro.

Segundo ele, desde meados de 2020, o setor passou por um período de aumento nas taxas e restrições nas políticas de aceitação das seguradoras. “Atualmente, o mercado se encontra estável em termos de precificação, com uma previsão de maior distribuição de seguros. Apesar dos impactos dos grandes acidentes ocorridos no último ano, que afetaram as carteiras dos resseguradores, o setor mantém uma perspectiva positiva de crescimento”, analisa o especialista da ASAS.

Complexidade e desafio

Como corretor, Moreira diz que, hoje, o maior desafio é mostrar ao cliente a importância da escolha de um corretor especializado, que saiba o que está vendendo. “Os produtos das seguradoras são diferentes e principalmente a análise do questionário pelo corretor é fundamental para elaboração de uma apólice que contemple todas as coberturas que o operador da aeronave precisa contratar. Além disso, em eventual sinistro sempre é algo delicado e mais do que nunca o corretor precisa ser estruturado e ter a devida experiência para apoio no processo de regulação. É um desafio grande, pois ainda temos muitos clientes que olham somente para o custo de contratação e querem pagar a apólice mais barata”.

Segundo ele, a Vokan sempre trabalha de forma a conscientizar os clientes da importância do seguro, não só o obrigatório, mas o complementar e o de casco. “É lógico que ninguém quer que um acidente aconteça, mas o seguro existe para ajudar o segurado em qualquer imprevisto. Tivemos alguns acidentes recentes muito noticiados e isso acaba fazendo o cliente se preocupar e olhar mais para o tema seguro. Alguns clientes convocaram reuniões para melhor entendimento e solicitaram ajustes em suas apólices, o que considero muito positiva”.

O setor aeronáutico é altamente técnico e complexo, e exige das seguradoras um investimento constante na formação de suas equipes e na subscrição de riscos. “A avaliação criteriosa dos perfis de risco é fundamental para garantir a sustentabilidade do mercado e a oferta de soluções adequadas às necessidades dos segurados. Além disso, como é um ramo com poucos atuantes, há uma grande necessidade de ampliar a distribuição do conhecimento sobre o produto, tanto para corretores quanto para clientes, para que o mercado se torne mais acessível e eficiente”, diz Anderaos.

Para o diretor da AXA, a natureza dos riscos envolvidos exige uma análise peculiar, cheia de fatores técnicos, operacionais e legais. “A avaliação precisa desses riscos exige conhecimento especializado, com uma precificação adequada para garantir a sustentabilidade das operações e manutenção das renovações. Além disso, a necessidade de conformidade com regulamentações nacionais e internacionais adiciona camadas de complexidade ao processo de subscrição e gestão dessas apólices”.

Daniel Castillo, vice-presidente de Resseguros do IRB(Re)

Segundo Daniel Castillo, vice-presidente de Resseguros do IRB(Re), o ramo do seguro e resseguro aeronáutico é muito complexo. “Em primeiro lugar, é importante mencionar que a análise do risco aeronáutico exige que o subscritor tenha profundos conhecimentos. Algumas seguradoras internacionais especializadas no ramo, por exemplo, contam com engenheiros aeronáuticos e pilotos em seus times. Eles conseguem avaliar a manutenção de aeronaves e a qualidade da manutenção de suas turbinas”, ressalta.

Por outro lado, segundo ele, a maior exposição não é o custo da aeronave e, sim, a responsabilidade civil da empresa que transporta, em alguns casos, dezenas de vidas.

“Nós, do IRB(Re), consideramos que as taxas do resseguro aeronáutico estão muito abaixo das taxas técnicas necessárias para a cobertura desse risco. Por isso, atualmente, temos baixo interesse no desenvolvimento dessa linha de negócio”.

“O setor aeronáutico, por sua natureza, está exposto a riscos de alta severidade, o que faz com que os sinistros tenham um impacto significativo na saúde financeira das carteiras das seguradoras. A subscrição de riscos requer uma análise detalhada de diversos fatores, como a experiência dos pilotos, a utilização da aeronave, o modelo das aeronaves e a média de horas de voo, a fim de garantir que a precificação seja adequada ao risco envolvido. Quando não há um equilíbrio entre as taxas praticadas e os fatores de aceitação, as seguradoras podem ser negativamente afetadas em suas carteiras, enfrentando prejuízos financeiros”, ressalta o especialista da ASAS.

Conteúdo da edição de abril (274) da Revista Cobertura

Revista Cobertura desde 1991 levando informação aos profissionais do mercado de seguros.

Anuncie

Entre em contato e descubra as opções de anúncios que a Revista Cobertura pode te oferecer.

Eventos

Próximos Eventos

Mais lidas da semana

Mais lidas